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Ir a um restaurante para não ver o chef é como ouvir os Rolling Stones sem o Mick Jagger

22/02/2024

O segredo estava guardado e foi revelado esta quinta-feira no hotel Myriad, na Torre Vasco da Gama, onde fica o Fifty Seconds. Dias antes, entre preparações, Rui Silvestre falou com a Time Out sobre a pesada tarefa que tem em mãos: substituir Martín Berasategui, o chef espanhol com mais estrelas Michelin da Península Ibérica e que dava nome ao restaurante do Parque das Nações. Sem querer apagar os cinco anos de Berasategui no Fifty Seconds, diz-se preparado para começar uma nova história. Silvestre – que em 2015, quando tinha 29 anos, se tornou no mais jovem chef a conquistar uma estrela Michelin em Portugal, no Bon Bon, no Carvoeiro – promete uma nova experiência na cidade, com o seu cunho e uma grande presença também na sala. Está a prepará-la desde que anunciou a saída do Vistas no final do ano passado. Apesar de trazido uma equipa do restaurante algarvio, ressalva a importância de se manterem algumas caras conhecidas do Fifty Seconds, nomeadamente Rui Monteiro, chefe de sala, e Marc Pinto, sommelier. 

Foi também no final do ano passado que se soube que o grupo Sana, que detém o Fifty Seconds, decidiu não renovar o contrato com Berasategui, levando também à saída de Filipe Carvalho, o chef executivo, que rumou entretanto ao Amorim Luxury GroupA aposta recai agora num nome nacional. No Vistas, restaurante de fine dining do resort de luxo Monte Rei, em Vila Nova de Cacela, Rui Silvestre conquistou a primeira estrela em 2019 e trabalhava, desde então, para a segunda, objectivo que mantém no Fifty Seconds.

 

Grande desafio em mãos…
Não é grande, é enorme. É um desafio com 120 metros de altura.

 

O que é que te aliciou?
Tudo. O restaurante está na torre mais alta do país. É um restaurante que, desde o seu princípio, tem ambições muito concretas e isso interessa-me, aliado ao facto de estar na capital. Parece que não, mas também é importante… Estou numa altura da minha carreira em que precisava de um espaço e de uma empresa que me permitisse continuar a crescer e proporcionou-se esta oportunidade, que eu acho que assenta que nem uma luva.

 

Sem medo do passado? Afinal, estás a substituir Martín Berasategui, um nome de peso internacional.
Não é questão para ter medo, mas para ter respeito e perceber que aquilo que o Martín Berasateguoi fez, tanto para o restaurante como para a cidade, até para o país. Acho que toda a gente tem que lhe agradecer por isso. Eu estou aqui com muito respeito, mas com muita vontade agora de pegar no bebé e traçar o meu próprio caminho. Não acho que seja uma questão de pressão porque pressão todos nós conhecemos há muito tempo. 

 

Mas temes que a comparação possa existir, pelo menos numa fase inicial? 
Não só não temo como até a acho natural. E a única coisa que isso me faz é dar mais motivação e mais vontade de passar os limites. 

 

Não há pressão?
Repara, eu ganhei a primeira estrela Michelin há quase dez anos já e na altura fui o chef mais jovem a ganhar a estrela. A pressão existe todos os dias quando abrimos a porta do restaurante e quando os clientes se sentam – com ou sem prémios, ou substituindo quem quer que seja. Na minha cabeça há uma página, não em branco, mas limpa. As chefias de sala que continuam, felizmente, dão-me um apoio e uma bagagem que também são importantes. Posso concentrar-me em ser criativo, em cozinhar, o que, em primeira instância, é aquilo que me interessa. O objectivo do restaurante continua o mesmo. Nós queremos ir tão longe como os meus predecessores queriam, mas com o meu próprio estilo de cozinha e com a minha assinatura.

 

E que estilo é esse? No Vistas tinhas uma cozinha muito virada para a costa. Como é que vai ser aqui? 
Eu não posso fazer uma desintoxicação de mim mesmo, isso é aquilo que eu sou. A parte da junção das especiarias com os produtos do mar vai continuar. A maior parte do menu é inspirada no mar, ainda por cima agora tenho esta vista... E depois até há àquela parte gira em que sou conhecido pela utilização das especiarias e estou na Torre Vasco da Gama. Mas vamos também ter propostas de carne.

 

Mas sempre menos. 
Sim. Até porque se comemos um menu com mais de dez passos, com vários pratos de carne, acaba por ser desconfortável. Aquilo que eu procuro é primar pelo equilíbrio no menu, seja peixe, seja carne, seja marisco, sejam vegetais, seja aquilo que for. Tem é de ter a melhor qualidade que se pode encontrar no mundo. 

 

Ou seja, não tem que ser apenas produto português.
É engraçado, eu ontem tinha essa conversa com o Marc [Pinto, sommelier]. Se eu puder escolher entre um excelente produto português e um excelente produto internacional, vou escolher o português. Mas se tiver que escolher entre um bom produto português e um excelente produto lá de fora, vou escolher o lá de fora.

 

É a qualidade que te guia. 
O resto são fundamentalismos e isso não é uma coisa que me interessa. O que me interessa é que quem se senta na minha mesa saia daqui e diga: “Uau, comemos o melhor produto disponível no mundo”. É isso que me interessa. Se puder ter assinatura portuguesa é ouro sobre azul, mas o meu foco não é esse, de todo.

 

E como é que encontras o melhor produto no mundo? 
Trabalho com os melhores produtores do mundo. 

 

Mas andas muito fora da cozinha? Estes anos todos também já te deram uma base...
É um bocado por aí. Tento ter muita proximidade. Por exemplo, agora para mim em Lisboa é um novo exercício ao nível de fruta e legumes. Aquilo que fiz foi falar com colegas meus, tentar perceber quem são os melhores e fazer uma shortlist. Com aqueles que me interessavam, tive algumas conversas. Eu sou uma pessoa muito de feeling também, preciso de me sentar com as pessoas e perceber porque é que fazem aquilo que fazem, se é uma questão de negócio, se é uma questão de paixão. É muito importante trabalhar com pessoas com quem me identifico. 

 

E aqui podemos dizer que será um restaurante novo? 
É um restaurante novo com uma história de cinco anos. 

 

Sabendo que és uma pessoa ambiciosa e que já disseste antes que o teu objectivo era a segunda estrela, as ambições do Fifty Seconds também sempre foram chegar à segunda estrela, quiçá mais. Tens um prazo em mente em que gostavas que isso acontecesse? 
Eu já tive prazos na minha mente, mas cheguei a uma altura da minha vida em que não me apetece muito... Pode ser chato. Eu acho que o importante é continuar o caminho que foi feito, e que foi feito dos dois lados, tanto da parte do Fifty Seconds quanto da minha. Acho que o Fifty Seconds era um restaurante que estava em ascensão, e eu sou um cozinheiro que estava em ascensão também. Agora é juntar os dois. Nste primeiro ano, principalmente nos primeiros meses, o que quero é consolidar. Costumamos dizer que o Fifty Seconds é um projecto de Lisboa para o mundo e é para continuar assim. E para isso tem que haver reconhecimento, tem que haver prémios, de preferência internacionais, mas isso é um caminho. Primeiro, é importante fidelizar, ou voltar a fidelizar os clientes, e tentar atrair novos clientes porque há uma nova experiência na cidade.

 

Disseste que a equipa de sala se mantém, assim como o Marc... 
Dá muita estabilidade. Uma das minhas principais preocupações no início foi que o Marc e o Rui [Monteiro, chefe de sala] se mantivessem. Eu queria muito trabalhar com eles, pela experiência que têm, pela forma como olham para a restauração. Identifico-me muito com os dois, apesar da diferença de idades dos três, mas isso no final é muito giro. São três vivências diferentes, mas com um objectivo em comum. Ao nível da cozinha, tive a sorte de poder manter algumas pessoas da anterior equipa, e de trazer outras pessoas que já trabalhavam comigo: o meu chef de cozinha [Leandro Lopes], a minha subchef [Soraia Neves], a minha chef de pastelaria [Patrícia Godinho], mais alguns cozinheiros. A base vem comigo.

 

E qual é a tua ideia para a carta? Vais ter um menu apenas?
Nós vamos ter um menu de degustação e vamos ter alguns pratos à carta, com uma fórmula em que as pessoas podem escolher uma entrada, um prato e uma sobremesa a um preço fixo.

 

Há pratos de assinatura que já te acompanham há algum tempo, vão continuar? 
Sim, mas há sempre uma evolução. O caril de carabineiro é, se calhar, o meu prato mais conhecido e muda três vezes por ano. Estamos sempre a fazer adaptações. Às vezes, o cliente nem percebe que existe ali uma alteração. Um prato nunca está fechado, estamos numa busca perpétua por uma coisa que não existe, que é a perfeição. Eu tive um chef que dizia: “A perfeição não existe, mas eu gosto de estar perto dela”. É um bocadinho por aí, tentar procurar sempre uma forma de melhorar, até para nós, para ser mais divertido, porque se tivermos sempre a fazer a mesma coisa também é chato. 

 

O que é que te apaixona na cozinha? 
Tudo. Apaixonam-me os produtos, gosto de tocar na matéria com as mãos, adoro falar de cozinha e, principalmente, adoro o stress na cozinha. Era incapaz de trabalhar no escritório. Quantas profissões conhecemos em que só vemos pessoas felizes todos os dias? As pessoas quando vêm a um restaurante como o Fifty Seconds vêm celebrar, nem que seja a vida, ninguém vem para aqui chorar – e se chorarem que seja de felicidade. Poder trabalhar com os melhores produtos do mundo, ver gente feliz todos os dias à minha frente... Sabes que a cozinha tem a particularidade de nos podermos exprimir e ver o resultado imediato daquilo que imaginamos, podemos ver quase de forma instantânea aquilo que tivemos a oportunidade de criar. E a cozinha é uma coisa muito pessoal. É isso que é uma cozinha de autor, podermos exprimir as nossas vontades, os nossos desejos, as nossas ideias, podermos apresentar isso a alguém no mesmo momento. Eu acho que é a melhor profissão do mundo.

 

Como é que tens ideias para os pratos? 
Há muitas formas de fazer, nem que seja por obrigação, não é? Eu sinto que crio melhor quando não como. Quando fico muitas horas sem comer para mim é estimulante. 

 

Ou seja, quando começas a ficar com fome imaginas pratos? 
Se eu estiver num avião durante 12 horas, por exemplo, é espectacular porque raramente como em aviões e obriga-me a pensar: o que é que me apetece comer agora? E é engraçado que isto depois, inconscientemente, tem muito a ver com as épocas. Eu chego à Primavera, por exemplo, e tenho vontade de comer espargos. Chego a Julho e tenho vontade de comer morangos. Nunca me deu vontade de comer morangos em Dezembro, por exemplo. Às vezes até podia acontecer, mas parece que existem microligações cerebrais.

 

E o que é que gostas menos na cozinha? Qual é a parte mais chata deste trabalho?
Sinceramente, não há nenhuma parte chata. Há coisas que eu gosto mais de fazer do que outras. Gosto mais de arranjar um peixe do que estar a mandar emails ou agarrado a uma folha de excel. Não é a coisa que me dá mais prazer no mundo, mas tem de ser feito e nós aprendemos a gostar daquilo que temos que fazer.

 

Porque faz parte. 
Senão íamos ser todos infelizes. Não há nada que eu diga que não gosto. As horas, o stress, a dureza a nível físico – porque é duro fisicamente, são 13/14/15 horas de pé –, às vezes com temperaturas altas, eu adoro. Adoro porque se entrares na cozinha, principalmente numa hora de serviço, vês 10, 12, 15 pessoas que parecem estar a ser telecomandadas, todas sabem o que estão a fazer, existe silêncio, existe foco, existe concentração. Na minha cozinha não há gritos, não há tachos a voar, não há nada disso. Já não existe hoje, mas já aconteceu. Seria hipócrita se dissesse que nunca aconteceu. Felizmente estamos numa altura diferente. Mas conseguimos ter uma zona de muita pressão, de muito stress, que é zen ao mesmo tempo. O Guy Savoy, o grande chef, diz – e tem razão – que numa cozinha as emoções têm de estar controladas para podermos ter controlo naquilo que estamos a fazer. A vida também é assim. Às vezes não é fácil, mas se tivermos as emoções controladas a coisa é mais fácil de gerir.

 

Falaste da importância de estar em Lisboa. É importante em termos mediáticos ou de clientes? 
Principalmente, ao nível da regularidade dos clientes. Mesmo estando no Algarve, não me posso queixar, sempre fui convidado para tudo e mais alguma coisa. Alguns dos meus melhores amigos na área vivem em Lisboa. Mas não ter a pressão de ter que gerir um restaurante que só vai trabalhar três ou quatro meses por ano... 

 

São meses em que é preciso trabalhar bem. 
Se há um dia mais fraco, sabemos que aquilo vai ter um impacto grande. Aqui, o tipo de pressão é diferente. Não quero estar três meses em casa por ano porque depois quando voltamos parece que nos desabituámos um bocadinho a fazer aquilo. 

 

Ias estar na gala Michelin como um dos curadores gastronómicos e entretanto já não estás. O timing da tua saída do Vistas prejudicou-te?
Eu ganhei a minha primeira estrela quase há dez anos, e nestes quase dez anos sempre tive uma excelente relação com a Michelin. Acho que sempre fui um excelente embaixador da marca, nunca fiz nada que pudesse denegrir a marca ou qualquer coisa assim, como às vezes acontece. A honestidade é uma coisa super importante. Eu sei que se calhar podia ter ficado calado e fazia a coordenação da gala e anunciava tudo depois, até porque o restaurante só vai abrir depois da gala – nem foi de propósito, mas aconteceu assim. Mas, quando comecei a achar que era uma hipótese real vir para cá, tive o cuidado de falar com a Michelin. É o que é. Pus-lhes as cartas na mesa, disse que existia uma oportunidade importante por tudo o que engloba. O palco é diferente. Uma coisa é estar ali na aldeia, e eu adoro a aldeia, mas é a minha carreira, não é? Estou numa altura da minha vida em que, se não o fizesse agora, ia fazer quando? Já não tenho 25 anos, não tenho 50, mas estou no meio. Foi uma coisa que quis mesmo fazer e fui super honesto com a Michelin. Eu pus as cartas na mesa e eles tomam as decisões que tiverem que tomar. 

 

E preocupa-te como é que o Vistas pode ter ficado? Apesar de tudo foi um trabalho teu. Preocupa-te esse lado de estares a deixar uma coisa que construíste e que ao mesmo tempo não queres também que se perca? 
Eu estou a perceber a pergunta e a resposta é sim, mas não é preocupação. Eu estou a criar o dom, na minha vida, de só me preocupar com coisas que posso controlar. 

 

Parece-me sensato. 
Não é fácil. Ando há uns anos neste processo, não estou nem a meio. Sempre fui muito stressado, muito acelerado, gosto de fazer cinco ou seis coisas ao mesmo tempo e há coisas que me magoam e que me fazem sofrer, coisas que não posso controlar. E isso é uma coisa que não posso controlar. Se me perguntares, o que é que eu gostava que acontecesse ao Vistas? Gostava que daqui a algum tempo tivesse duas estrelas Michelin na mesma, porque é uma casa pela qual tenho muito carinho. Quero que eles continuem bem e que sejam muito felizes e que tenham todo o sucesso, como também quero que nós tenhamos todo o sucesso aqui. 

 

E a tua ideia aqui é estares presente de alguma forma na sala? 
Eu não cozinho para mim, cozinho para as pessoas e, quando recebo alguém no meu restaurante, acho que tenho no mínimo a obrigação de receber as pessoas à porta. É a minha casa.

 

Portanto, serás tu a fazer a recepção ao cliente? 
Sempre que possível, não posso prometer que vou receber toda a gente, mas sempre tive muita proximidade com os clientes.

 

Até deves ter clientes a querer marcar...
Tinha clientes que iam ao Algarve de duas em duas semanas para ir ao restaurante. Acho que as pessoas que vivem em Lisboa e que já nos visitaram no Algarve também estão à espera que os receba, porque sempre fiz isso. É importante. Acho que vir a um restaurante para não ver o chef é a mesma coisa que ir ouvir os Rolling Stones sem o Mick Jagger. As pessoas querem saber que o chef está lá. Devo isso às pessoas. Quantos restaurantes existem em Lisboa? Quantos restaurantes gastronómicos existem em Lisboa? Se o cliente escolheu vir cá, o mínimo que podemos fazer é dar-lhe as boas-vindas e fazer tudo o que é possível para que tenha uma grande noite e que saia daqui com uma banana de orelha a orelha. Naquilo que depender de mim, é o que vai acontecer. Sim, sou muito interventivo na sala. Sempre fui e vou continuar a ser. 

 

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